domingo, 15 de janeiro de 2006

O Marketing da Leitura – A história de alguém que não gostava de ler (Cap. 4)

Lá foi ele, muita condução e pouca atenção, só recordava e procurava detalhes daqueles olhos de cor e sabor de mel. De repente… uma buzinadela, uma guinada, um grito, insultos à mãe de alguém e finalmente um dedo, tudo numa fracção de segundos. No fundo sabia que a culpa era sua, por isso decidiu ignorar o inspirado condutor do outro carro, que desenrolava insultos, com uma vontade como se toda a sua vida se tivesse preparado para aquilo. Com o coração aos pulos, voltou à condução mas, com mais atenção.

Mas a sua atenção continuava ausente, agora com mais motivos, dois olhos e um bilhete escaldante que, mesmo a partir do interior da carteira teimava em lhe abrasar o pensamento. Que fazer com aquele bilhete? Quem o teria colocado no seu pára-brisas? Tantas perguntas, tantas incógnitas. Aquela equação, mesmo sem primitivas e derivadas, era um verdadeiro quebra-cabeças, até para o melhor matemático e logo lhe tinha ido calhar a ele quem nem era grande fã da matéria.

Num desses raros momentos em a sua mente processava as informações do meio envolvente, viu estacionado um carro que reconheceu. Numa fracção de segundos, um sorriso inconfundível acendeu-se no seu rosto incendiado pelo bilhete ardia no seu bolso. Seguiu uns metros, ligou o pisca a fez inversão de marcha, agora sim com toda a atenção e segurança. Por sorte conseguiu estacionar o carro junto ao alvo, um Renault Mégane, cor tijolo. Confirmou pelos adornos no interior, que o carro era de quem imaginava, mas a cadeira de bebé, não deixava margem para dúvida. Certificou-se que o proprietário não estava por perto.

Sorrateiramente retirou do bolso o bilhete dirigiu-se à vitima e colocou-lho bem de fixo por baixo da escova do lado do condutor. Nesse momento reparou que as suas mãos tremiam, e tomou consciência do que estava a fazer, mas era demasiado tarde, não podia recuar, pois aproximavam-se algumas pessoas. Pausadamente baixou-se, disfarçando uns movimentos inócuos. Depois ergue-se dirigiu-se lentamente para o seu carro, com o sorriso a florescer novamente no rosto, após aqueles breves momentos de tensão. Imaginava a cara do proprietário ao ler o bilhete. Deu uma gargalhada sonora enquanto partia rumo à tarefa.

Seguiram-se momentos banais, estacionar novamente, trancar carro, campainha, elevador, subir, abrir porta. À sua espera já estava o seu parceiro das duras tarefas, como sempre insultaram-se. Mas, no bom sentido e traduzidas as palavras queriam dizer: és um amigo como poucos. O colega então disse-lhe para esperar um pouco que ia buscar a “fazedora de tarefas profissional” para lhes dar umas dicas, sim porque os professores tinham abusado. Ele estranhou, porque ela tinha carro, mas logo lhe foi recordado que na noite anterior houve jantar de curso e quem anda em cima de carros e até há rumores que em cima de colunas na disco também, não está com vontade de conduzir.

Concordou, e o amigo disse para ir comendo algo que não estava com boa cara, já vinha e logo falavam, ao sair atirou para o ar, “isso é, cansaço, mulheres, saudades, ou além desta tarefa tens também o texto em inglês para ler?” e saiu sem dar tempo a resposta. Por momentos pensou que a história devia ser devaneios de bar, aquela malta para inventar histórias e para “enterrarem” o pessoal são terríveis, até enviam fotos para o blog do curso, de repente a recordação dessa malta doida aqueceu-lhe o coração.

Foi para a cozinha, completamente à vontade, pois aquele era o centro de resolução de tarefas e como têm sido tantas ele já se sentia ali como em casa. Adoçou o leite, como se fosse uma bruxa a mexer uma das suas poções, sempre com a dúvida se põe as quantidades certas de ingredientes, desta vez as escamas de sapo, os suspiros de dragões, entranhas de um amor perdido, foram deixadas de parte, trocadas por açúcar, e leite.

Depois de mexer religiosamente a sua poção pegou numa colher com um pouco de leite e o seu paladar disse-lhe que estava no ponto, docinho quentinho dizia ele. Pegou nas torradas e posou-as do seu lado direito, e ainda fumegantes barrou-as de manteiga, do lado do seu coração pousou os seus pensamentos ainda fumegantes e barrou-os de silêncio, um silêncio alimentado a luz, luz de dois sóis.

Silêncio, desde quando era ele um homem de silêncio? Questionou-se.

Não entendia, mas definitivamente algo de estranho se atravessara no seu quotidiano nesse dia.

Esperava apenas que não fosse nada de grave.

3 comentários:

Anónimo disse...

Belo carro!
E com uma cadeirinha de bebé...

Anónimo disse...

Não é nenhum R5, vulgo avião :) mas escapa!

Anónimo disse...

esta história está cada vez mais animada....Quem diria que iria ter o sucesso que está a ter....Existem la com cada personagem que se parecem tanto com a realidade...Nunca imaginei....este bilhete está a dar que falar...que irá ser feito dele agora????que o próximo capitulo seja ainda mais emocionante....e xeio de mistério. também com as personagens desta história só se espera isso...hihihihihihihihi