Apesar das empresas de vestuário e calçado serem frequentemente apontadas no âmbito das preocupações com trabalho infantil, estes sectores podem beneficiar de alguma tranquilidade com base em três relatórios divulgados recentemente nos EUA. Mas as últimas descobertas apontam para uma preocupação acrescida ao nível laboral.
Na “lista de bens produzidos por trabalho infantil ou forçado”, o Departamento do Trabalho dos EUA regista apenas seis países (Argentina, China, Índia, Jordânia, Malásia e Tailândia) onde foram encontradas violações na produção de vestuário e cinco (Bangladesh, Brasil, China, Índia e Indonésia) em calçado.
Uma proporção relativamente menos negativa, quando comparada com outros sectores, como: ouro (onde 17 países foram identificados no recurso a trabalho infantil ou forçado), cana de açúcar (15 países), tabaco (15 países), tijolos (15 países), café (13 países), bovinos (9 países), arroz (8 países) e diamantes (7 países).
Infelizmente, o algodão continua a fazer jus à sua reputação por abusos de direitos laborais, com 16 países considerados em falta, reforçando a escassez de progresso nesta área, apesar de anos de promessas.
O relatório também aponta para o impacto limitado das campanhas de grande visibilidade por parte dos retalhistas de vestuário, marcas e importadores, com o objectivo de erradicar das suas cadeias de fornecimento o algodão que provém de infractores conhecidos, como o Uzbequistão, onde milhares de crianças são retiradas das escolas e forçadas a apanhar algodão durante a época da colheita.
Claro que o aparecimento de qualquer país em tabelas como estas é totalmente inaceitável. Mas aprofundando a análise, as evidências sugerem que o uso de trabalho infantil em fábricas de confecção de vestuário destinado aos mercados ocidentais, é quase uma coisa do passado, com apenas China, Jordânia e Malásia apontados neste caso.
Dito isto, o que também se destaca é a incidência do que os relatórios chamam de “trabalho forçado”, onde os trabalhadores são ameaçados, intimidados ou fisicamente coagidos a realizar um determinado trabalho. No vestuário, o trabalho forçado foi encontrada na Argentina, China, Índia, Jordânia, Malásia e Tailândia.
O trabalho forçado é principalmente devido à mão-de-obra dos imigrantes, que chegam ao país frequentemente através de grupos organizados. Os trabalhadores são normalmente alojados em dormitórios superlotados e sobrevivem com alimentação abaixo do normal, com o alojamento e a comida a serem acrescidos aos custos dos empréstimos que contraíram para a viagem. Sem documentos de identidade, que normalmente ficam retidos até ao pagamento do empréstimo, amarrados a contratos fixos e longe de casa, estes trabalhadores são, na realidade, escravos aprisionados.
Mas enquanto o trabalho forçado é um problema que certamente não gera tanta publicidade como o trabalho infantil, é no entanto uma preocupação crescente na indústria da moda.
O Departamento do Trabalho dos EUA está preocupado em salientar que as tabelas não são destinadas a punir ou envergonhar os países listados, mas devem servir para alertar os governos a enfrentarem os problemas laborais.
Os relatórios também destacam as formas como alguns países estão a abordar estes problemas. A Jordânia, por exemplo, exige agora que todas as empresas de exportação participem no seu programa “Melhor Trabalho”, uma colaboração entre governo, empresas, compradores internacionais e grupos de trabalhadores, para fornecer informações transparentes sobre as condições de trabalho nas fábricas exportadoras.
Na Índia, as empresas que fazem parte do Concelho de Promoção das Exportações de Vestuário utilizam sistemas de monitorização e certificação como a SA8000, bem como sistemas internos de monitorização de compradores individuais, para identificar e corrigir o trabalho infantil na produção de vestuário.
Embora concordando que chamar a atenção para o problema é um passo importante para erradicá-lo, alguns observadores temem que relatórios, como os produzidos pelo governo dos EUA, colocam muitas vezes na lista negra a indústria de um país inteiro, que pode ser composta de milhares de fábricas, com base em violações de apenas meia dezena de empresas.
O próprio Departamento do Trabalho admite que alguns países com grande número de produtos incluídos na lista podem não ser os que têm os problemas mais graves de trabalho infantil ou trabalho forçado, mas podem ser aqueles com a abordagem mais aberta para reconhecer estes problemas.
Apesar disso, a lista é um instrumento importante que os consumidores e as empresas podem utilizar para identificar os sectores onde persistem o trabalho forçado e os abusos de trabalho infantil. O verdadeiro desafio agora é implementar práticas empresariais que conduzam a padrões laborais, condições de vida e de trabalho mais elevados para os trabalhadores em todo o mundo.Ângela Martins 25127
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