No seu livro “ A Insustentável Leveza do Ser” o escritor checo Milan Kundera, dedica um capítulo inteiro “ à questão da atitude humana da Compaixão”.
Sob uma perspectiva filológica, compara o sentido da expressão nas línguas latinas e nas línguas germânicas e as implicações dessa nuance de sentido na vida psicológica e sentimental dos indivíduos. Kundera afirma que as derivações latinas da palavra compaixão significam simplesmente piedade, um sentimento que se impõe quando um indivíduo está em posição de superioridade frente a um outro que sofre. Assim, a compaixão torna-se uma relação de poder dominadora, na qual um indivíduo se sobrepõe sobre outro, podendo oferecer-lhe sua compaixão como um presente, sem porém compartilhar do sentimento que leva o próximo a sofrer.
Nas línguas germânicas, porém, compaixão assume um sentido de "co-sentimento": o indivíduo que sente compaixão sofre junto com o seu próximo, o mesmo sentimento.
Para Kundera, a compaixão é muito mais terrível do que a piedade porque a incapacidade humana de transpor os limites da subjectividade faz com que o sentimento careça de um certo esforço imaginativo que quase sempre multiplica a dor do próximo, fazendo-a mesmo maior do que a do próximo.
A metáfora utilizada para ilustrar o problema da compaixão foi Tomas na sua relação com Teresa (duas das personagens do romance). E é através da compaixão que Tomas sente por Teresa, que ela consegue prender-se a ele em definitivo desde o primeiro momento.
Se transpusesse a abordagem de Kundera para o tema Sustentabilidade e Marketing, a metáfora a utilizar para ilustrar o problema do Marketing na sua relação com a Sustentabilidade no mundo dos Negócios e dos temas de Gestão poderia ser semelhante à que acabei de descrever para a “compaixão” Gestão e Sustentabilidade que se desenrola desde o primeiro momento em que se viram e olharam.
Primeiro foi Michael Porter, o célebre Professor de Harvard em temas de estratégia e competitividade que, em artigo publicado em 2008 na (HBR) Harvard Business Review, tratou como “ineficaz o investimento em responsabilidade social dissociado da estratégia central do negócio”, despertando a ira dos que viam no tema um imperativo ético mais do que um tema do mundo dos negócios. Tal como Kundera fizera quando afirmou que as derivações latinas da palavra compaixão significavam simplesmente piedade, Porter é restritivo mas lógico para o modelo anglo-saxónico da actividade empresarial. Só que muito duro no botton line.
Mais tarde, em 2009, dois outros gurus da gestão, primeiro Peter Senge, um importante especialista em temas de gestão do conhecimento, apresentou no seu livro “Revolução Decisiva” casos de empresas que mudaram os seus modelos de negócio de acordo com as regras da “ economia de baixo carbono” E no final de 2010, o indiano C.K. Prahlad, produziu importante artigo (também para a HBR) relacionando sustentabilidade e inovação.
Agora, finalmente, foi a vez Philip Kotler, o papa vivo do Marketing, no seu novo livro, Marketing 3.0 escrito com Hermawan Kartajava e Iwan Setiawan, a abordar uma questão que certamente provocará celeuma entre os que acreditam, e não são poucos, que sustentabilidade e marketing são como “água e azeite”.
Enquanto o Marketing 1.0, segundo ele, se centrou nos produtos e na venda massificada, a versão 2.0 enfatizou a satisfação do consumidor via segmentação de mercado e escolha de targets com criatividade no rigor. Agora, a versão 3.0 reconhece no consumidor, mais do que um comprador, um elemento inquieto, orientado por valores, preocupado com a sociedade, o meio ambiente, um mundo melhor.
Quem trabalha na área de sustentabilidade já sabe disso há muito tempo. A novidade é a abordagem do tema com grande ênfase, no “ dizer e escrever” de um pensador do marketing, um campo de conhecimento por vezes excessivamente pragmático, visto com reservas pelos protagonistas da responsabilidade social e da sustentabilidade.
Na opinião de Kotler, empresas que praticam o Marketing 3.0 possuem uma visão que ultrapassa o simples ganhar dinheiro. Mais do que isso: ganham dinheiro porque compreendem a existência de um consumidor “mais cidadão”, mais responsável e mais participativo. Entre os exemplos citados, o autor destaca a Body Shop (cosméticos), a Timberland (calçado) e a Home Depot como empresas “com valores” que promovem as questões socioambientais na relação com seus consumidores, ou, como sugere o subtítulo da obra, descobriram “as forças que estão a moldar “o novo marketing” centrado no ser humano “holisticamente falando.“
Para defender a sua tese, Kotler apoia-se em dados disponíveis sobre o aumento do “consumo consciente” no mundo, a maior valorização das acções de empresas sustentáveis e o crescimento das empresas sociais, como as criadas por Muhamad Yunus no Bangladesh. Já antevendo possíveis reacções de uma parte do público que costuma questionar os exageros de marketing verde, o chamado greenwashing, Kotler afirma que para ganhar a confiança deste novo consumidor, muito mais atento e exigente, a empresa terá que transformar intenções em evidências. Praticar.
É certo que o pragmatismo de Kotler não vai agradar a todos os leitores e sobretudo a muitos empresários. Mas as “salutares ideias” do seu livro valem bem a sua leitura. E a discussão das suas ideias.
Tal como Kundera utilizou a expressão compaixão de acordo com as línguas germânicas em que esta assume um sentido de "co-sentimento" em que o indivíduo que sente compaixão sofre junto com o seu próximo, também os autores que cada vez mais escrevem sobre MARKETING E SUSTENTABILIDADE, vão escrever muito seguindo a abordagem do tipo da “insustentável leveza do marketing “ para que as empresas os ajudem depois a reescrever através das suas práticas e resultados. Com amor e com paixão por uma Sociedade de Consumo menos destrutiva.
Francisco Velez Roxo - Professor Auxiliar Convidado Católica Lisbon School of Business and Economics