Por questões de conveniência e de critério, o Marketing e a Gestão modernas têm uma forte tendência para classificações e tipologias. Isto é, mediante ferramentas e matrizes que proliferam na literatura é possível segmentar clientes, estratégias, planos de acção e quase tudo o que se possa imaginar. É reconhecida a importância de matrizes como a BCG, frameworks como as 5 forças de Porter ou a famosa análise SWOT. Tal como em muitas outras áreas do saber, os gestores e marketers adoram criar categorias e encaixar coisas lá dentro.
Nunca se deve subestimar a importância destas ferramentas – são de vital importância para orientar os profissionais em situações difíceis e, sobretudo, organizam o caos informativo em unidades mais amigáveis. Raramente uma marca consegue actuar em todas as frentes, e algum discernimento deve existir em termos de escolha. Assim sendo, é normal que para targets diferenciados, se usem tácticas diferenciadas.
No entanto, este artigo pretende alertar para o facto de muitas destas ferramentas se poderem transformar em armadilhas, capazes de induzir em erro. E o maior desafio surge quando se tenta encaixar o consumidor em caixinhas de cor diferente.
Sobretudo nas últimas duas décadas, quanto mais tentamos categorizar os consumidores, mais camaleónicos eles parecem ser.
O consumidor actual é flexível, infiel e adaptativo. No Consumer Behavior Portugal (um grupo Facebook), todos os dias são adicionados posts que ilustram um consumidor cada vez mais multifacetado. Em vez de encaixar os consumidores numa ou outra estratégia, muitas vezes mutuamente exclusivas, as marcas devem respeitar que num mesmo consumidor podem haver vários consumidores. E é nesta linha que devemos seguir, pois a imprevisibilidade só pode aumentar.
Mas como distinguir em que áreas uma marca deve ser diferenciadora e em que áreas deve ser abrangente? De modo a fazer face a essa múltipla personalidade dos consumidores, a Psicologia pode assumir um papel de destaque pois acompanha, com elevado grau de proximidade, a mudança de mentalidades destes. Assim sendo, identificam-se 7 conceitos – cada um deles com componentes aparentemente antagónicas – em que, ao contrário do que se vem fazendo, a melhor estratégia é jogar em todas as frentes.
Racional vs Emocional. As marcas devem oferecer aos seus clientes benefícios racionais e emocionais, não apenas um deles. A Apple exemplifica bem esta premissa: o mercado em que se movimenta é claramente racional, tecnológico, em que os atributos funcionais dos seus dispositivos são fundamentais. No entanto, ao contrário de muitas marcas, a Apple apresenta benefícios emocionais imbuídos no design atractivo, no apelo à simplicidade de uso e no carinho que a sua imagem de marca transmite, fazendo os seus clientes sentirem-se “especiais”. A ideia de que o consumidor é racional na escolha de uma marca é uma falácia, tal como o é quando se diz que é maioritariamente emocional. Numa mesma situação de compra, os consumidores tanto podem seguir a rota emocional, como a racional, confrontando uma e outra constantemente.
As 3 componentes das atitudes. O Comportamento do Consumidor gira muito em torno do conceito de atitude. Uma atitude tem 3 componentes: as crenças (informações, conhecimentos), os afectos (sentimentos, emoções, preferências) e a intencionalidade do comportamento (intenção de agir, de se manifestar, de votar num partido político). Se o gás de um refrigerante é considerado mau para a saúde (crença), então certamente não serei muito apreciador dessa categoria (afecto) e provavelmente passarei a comprar bebidas alternativas sem gás (intencionalidade). Consequentemente, uma marca forte é aquela que apresenta argumentos relevantes para o consumidor, sensações positivas e experiências sensoriais agradáveis, ao mesmo tempo que deixa vias abertas para ele poder manifestar o seu comportamento de aproximação à marca.
Utilitário vs Hedónico. Cada vez mais os consumidores procuram soluções que lhes resolvam os problemas com eficácia (função utilitária), mas que também proporcionem recompensas pessoais e prazer (função hedonista). Um exemplo prático pode ser encontrado quando vamos ao shopping. No shopping podemos encontrar o que queremos, há diversidade, estacionamento fácil e conveniência. Mas também há divertimento, estimulação sensorial e um passeio de lazer com a família.
Tangível vs Intangível. Durante muitas décadas o consumidor valorizou tudo o que era tangível e material. Ter um carro, ter um cd de músicas, ter um espaço a que pudesse chamar escritório. Apesar de “ter algo nas mãos” ainda ser uma premissa muito forte, a verdade é que o consumidor está cada vez mais receptivo a usufruir de algo sem que isso implique a sua posse. O mercado dá milhares de oportunidades a este novo consumidor, desde ouvir música no Spotify, passando pela partilha de automóveis ou assinando um plano de escritório virtual.
Venda vs Experiência. Ainda não há muitos anos as farmácias tinham os seus produtos inacessíveis aos utentes: quase todos os produtos estavam do lado de lá do balcão. Actualmente os produtos estão do lado de cá, permitindo o toque, sentir a fragrância de produtos de higiene, etc… Muitas farmácias são autênticos “lofts”, em que a experimentação de produtos não só é possível, como incentivada pelos proprietários. Mais do que vender, as marcas devem fazê-lo proporcionando experiências positivas.
Low involvement vs High involvement. O envolvimento do consumidor é um dos aspectos mais tidos em conta em marketing e publicidade. A sua importância é tal que muitos estudiosos dividem as suas estratégias de acção, conforme se trate de targets mais envolvidos com os produtos ou menos envolvidos. O envolvimento de um consumidor é o grau em que este despende esforço cognitivo, emocional ou comportamental com uma categoria de produto. Um consumidor envolvido processa mais a informação, emociona-se com as marcas e age em conformidade (vai a eventos, compra produtos, escrutina os benefícios do produto). Este tipo de consumidor exige uma mensagem publicitária mais elaborada, bem fundamentada em termos de argumentos, desafiadora. Por outro lado, consumidores pouco envolvidos não estão com predisposição para grandes raciocínios: preferem simplicidade, emoção, imagética ou humor, por exemplo. Mas designar abordagens específicas para targets específicos pode ter os seus inconvenientes, pois nem todos são dependentes de interacção com as marcas, tal como nem todos são meros espectadores. Mais importante: todos nós passamos por diferentes fases de envolvimento face a um mesmo produto, serviço ou ideia.
Individual vs Social. John Donne, poeta inglês, ficou para a história com uma frase lapidar: “No man is an Island”. Na verdade, todas as marcas actualmente procuram potenciar a socialização entre pessoas e marcas, quer patrocinando festivais de verão ou apostando nas medias sociais. Mas o consumidor não é apenas social: por vezes precisa de estar na sua “concha”, saboreando momentos mais introspectivos. Encaixam-se aqui exemplos como a Myzen TV, que apela exactamente a uma visualização solitária e de preferência com headphones. As marcas de consolas de jogos são exemplos perfeitos em que ambas as dimensões são exploradas: veja-se a Wii da Nintendo: tanto permite colocar toda a família a cantar Karaoke como uma utilização mais pessoal, através da Wii Fit Plus.
Parte da grandeza das marcas reside na capacidade de adivinhar qual porta o consumidor irá abrir a seguir. Em alguns casos o melhor é estar atrás de todas, para lhe dar as boas vindas.
Afonso Carvalho 31773
Sem comentários:
Enviar um comentário