Para Regis McKenna, a tecnologia está subvertendo as antigas funções do marketing. O que fazer para que ele não se torne obsoleto?
Considerado o guru do marketing no Vale do Silício, o americano Regis McKenna não tem boas notícias para seus colegas da área. Para ele, o marketing tal como o conhecemos hoje está desaparecendo. E os profissionais do setor podem ter o mesmo destino caso não acordem a tempo. Propaganda e promoção continuam importantes, é verdade. Mas criar anúncios sensacionais é cada vez menos uma garantia de conquista -- e de retenção -- de clientes. Para McKenna, o marketing deveria se concentrar em oferecer produtos e serviços confiáveis, que contassem com canais de distribuição eficientes e pronto atendimento ao consumidor. Com certeza, menos glamouroso do que participar do Festival de Cannes. Mas, em tempos bicudos, o que parece mais atraente: criar novas formas de gerar riqueza ou enfileirar troféus numa estante?
McKenna fala com a propriedade de quem há 40 anos acompanha de perto as ondas doVale, do Silício. Ele esteve diretamente envolvido com o nascimento dos primeiros produtos da Intel e da Apple. Assistiu de camarote à exuberância e à derrocada das ponto-com. Aos 62 anos, McKenna hoje se dedica a palestras e seminários sobre marketing e tecnologia da informação. Em fevereiro, lançou seu quinto livro, Acesso Total (publicado no Brasil pela editora Campus). Nele, explica como o gerenciamento da satisfação do consumidor está cada vez mais a cargo de computadores e por que os profissionais de marketing deveriam estar mais preocupados em participar desse processo do que obcecados com a construção de uma marca usando apenas a mídia tradicional.
Nas horas vagas, McKenna dedica-se à poesia, embora nunca tenha tido coragem de publicar seus versos. "Talvez porque eu seja tímido, talvez porque eles não sejam tão bons assim", diz. Por telefone, ele concedeu a seguinte entrevista a EXAME:
O senhor afirma que a tecnologia está invadindo cada vez mais o reduto do marketing. Chegará um momento em que o profissional de marketing e o de tecnologia serão a mesma pessoa?
Hoje as atividades de marketing não estão restritas aos profissionais da área. O CIO (chief information officer) de uma empresa, por exemplo, é responsável pela estrutura que sustenta os serviços de atendimento ao cliente. Ou seja, essa função está completamente envolvida com marketing, mesmo que não seja definida como tal. No futuro, os profissionais de marketing terão de entender que marketing é uma responsabilidade, uma iniciativa, não algo definido pelo cargo. Um profissional de marketing não terá de entender os detalhes da tecnologia, mas precisará saber como a tecnologia pode ser usada para criar relacionamentos interativos com os consumidores e para criar arquiteturas que coletem e distribuam as informações do mercado. Acredito que, num futuro muito próximo, as escolas de negócios vão exigir que os alunos de marketing e de administração comecem a ter aulas de tecnologia da informação aplicada.
Por que as escolas ainda não exigem isso? Elas estão atrasadas?
Na minha opinião, a maioria das universidades e das escolas de negócios segue o mercado -- elas não lideram a indústria.
A tecnologia está transformando a clássica base do marketing -- os 4P (produto, preço, promoção e ponto-de-venda) -- em algo obsoleto?
De maneira alguma. Na verdade, acredito que o ponto-de-venda é provavelmente a mídia que será mais dramaticamente mudada com o advento da tecnologia da informação. É no ponto-de-venda que o consumidor faz sua decisão de compra. Uma das razões pelas quais uso a Starbucks como exemplo é porque ela está presentes na vizinhança de todo mundo. Nesse caso, o ponto-de-venda é o próprio serviço. Muitas das mensagens comerciais e das propagandas feitas hoje incomodam ou são irrelevantes para a vida do consumidor.
No livro Acesso Total, o senhor menciona que ter uma Starbucks perto de um hotel onde esteve hospedado em Tóquio era o melhor benefício que a empresa poderia lhe oferecer...
Isso mesmo. A experiência que tive na loja de Tóquio foi muito parecida com a que tenho aqui no Vale. do Silício, onde há uma Starbucks a algumas quadras de minha casa. Eu inclusive faço reuniões lá -- as pessoas sabem onde é, nós tomamos uma xícara de café e podemos discutir negócios. No Japão, fiz exatamente a mesma coisa.
No futuro, que tipo de função o marketing terá? E que função tradicional deverá desaparecer?
Muitas dessas funções tradicionais já estão sumindo. Logística é um exemplo. Há 20, 30 anos, os departamentos de marketing eram responsáveis pelos sistemas de distribuição. Hoje, esses sistemas logísticos são tão complexos que precisam estar nas mãos de gente que tenha habilidade e experiência para comandá-los. Relacionamento com os consumidores é outro exemplo. Os projetos de CRM (customer relationship management) são implementados por empresas especializadas em integração, como a IBM Global Services e a Accenture. Essas empresas não são agências de publicidade! Elas são especialistas em novas mídias interativas, enquanto o marketing tradicional se apóia no envio de mensagens por mídia de mão única, como o rádio e a TV. Creio que o marketing tradicional ainda tenta usar as novas mídias da internet como as antigas mídias. Isso explica por que recebemos tanto lixo por e-mail. Eu recebo de 200 a 300 dessas mensagens diariamente.
O senhor diz que a presença humana no marketing está diminuindo. No entanto, parece que esse encolhimento só está ocorrendo no nível operacional.
Você está certa. Mas é preciso dizer que é no nível operacional que se dá (ou não) a satisfação do consumidor. Quando vou ao caixa eletrônico de um banco e a infra-estrutura daquela instituição funciona, digo que gosto daquele serviço. Em compensação, as atividades promocionais de um departamento de marketing -- participação em feiras de negócios, por exemplo -- não influenciam na satisfação do consumidor.
O que, então, deveria estar nas mãos do marketing?
Eu diria que tudo o que está relacionado à satisfação do cliente -- fornecimento de informações certas, serviços apropriados, respostas confiáveis e oportunidade de dar feedback à empresa -- deveria ser responsabilidade do departamento de marketing. Esses aspectos são provavelmente muito mais determinantes da fidelidade do consumidor no longo prazo que campanhas promocionais. Por isso, quando vou a um caixa eletrônico que sempre funciona perfeitamente, acabo me tornando fiel àquele banco. Os consumidores não chamam isso de marketing, mas é. Nós estamos conversando ao telefone agora e o som está ótimo, como se estivéssemos nos falando da mesma cidade. Como consumidor, não ligo para saber qual a infra-estrutura necessária para que a comunicação tenha essa qualidade, mas se essa infra-estrutura apresenta problemas -- e a ligação cai, por exemplo -- fico bravo com a companhia telefônica. Aí, não importa o quanto a propaganda dessa operadora insista em me dizer que ela é confiável. Nos últimos 100 anos, o marketing vem tentando mudar a cabeça do consumidor, em vez de tentar mudar a experiência de consumo.
Parece que essa visão centenária não tem sido suficiente para que as empresas consigam a fidelização de seus consumidores...
Realmente. Nós ainda estamos começando a perceber que o caminho para sustentar um relacionamento com o consumidor passa pela troca de informações e que são as pequenas coisas que retêm os clientes. Vou dar um exemplo. Sou diabético e poderia procurar um especialista em Chicago ou em Nova York. Mas escolhi um médico que está perto de mim. A marcação da consulta pode ser feita online (só preciso checar os horários disponíveis). Diariamente, ele envia aos pacientes uma pequena mensagem, que sempre traz informações importantes. Se estou viajando, posso mandar um e-mail ou telefonar para ele. É esse contato constante que mantém a fidelidade dos pacientes. No entanto, você só costuma receber notícias de sua empresa de cartão de crédito ou de sua loja de sapatos quando eles estão querendo vender alguma coisa. E nós somos mais propensos a rejeitar mensagens de vendas do que aquelas vindas de pessoas ou empresas com as quais temos envolvimento, que de alguma forma nos ajudam.
Os profissionais de marketing precisam mudar a forma como olham para a questão da marca?
Sim. Eles precisam entender que a capacidade de criar uma grande marca tem de vir da qualidade da infra-estrutura de atendimento ao consumidor. Veja só. Comprei um carro dois anos atrás e gosto dele, mas sinceramente acho que o serviço das concessionárias está piorando. Da próxima vez que eu for comprar um carro, vou analisar a compra pela perspectiva da qualidade da prestação de serviço. Serviço, aliás, tornou-se uma função-chave em todas as corporações. Alguns anos atrás, ouvi o presidente da Caterpillar descrevê-la como uma empresa de serviços. Eles fabricam equipamentos pesados para clientes em todo o mundo, mas os serviços para manter e operar esses equipamentos são a maior parte do negócio. É com a prestação de serviços que se estabelece a qualidade de uma marca. Isso acontece até com nomes como Coca-Cola. No caso da Coca-Cola, sua presença no mercado é o grande serviço. Você pode comprar o refrigerante numa máquina ou numa loja, em diferentes tamanhos e embalagens. Você não tem nenhuma dificuldade para encontrar uma Coca-Cola -- e isso é uma forma de prestação de serviço.
Quais as lições que o senhor tirou do fracasso das ponto-com?
Vi muita experimentação tecnológica e mercadológica feita aqui nesses anos. Nos anos 90 havia muito mais capital sendo investido em experimentos de marketing do que em tecnologia. Muitas das ponto-com, por exemplo, são simples versões de varejo usando a internet como um canal mais barato. A maioria das pessoas que estava financiando e conduzindo as ponto-com não tinha experiência em negócios nem em varejo. Elas acharam que o varejo seria mais fácil com a internet e não entenderam que esse negócio exige muita infra-estrutura e presença local. Não se trata de apenas enviar uma mensagem para criar uma marca e depois tentar resolver os problemas dos clientes. É preciso criar benefícios tangíveis, que os consumidores possam sentir diariamente. A maioria das ponto-com foram experiências imprudentes no varejo. Faço muitos investimentos de risco, mas não investi em nenhuma ponto-com.
Que tipo de mídia será quente no futuro?
A tecnologia vai variar muito de acordo com as regiões geográficas do mundo. Entretanto, acredito que a tendência é a integração do celular à internet. A pioneira dessa aproximação é a japonesa DoCoMo. A maioria de seus usuários é composta de jovens e mulheres que usam o telefone para fazer compras, se comunicar, obter informações. Não se trata de apenas telefonar para alguém. Há variações dessa tecnologia em quiosques de aeroportos e lojas, por exemplo.
O mundo está à beira de uma recessão. Como isso afeta o marketing?
Um dos comportamentos mais curiosos nas recessões é que as empresas cortam ações promocionais e propaganda. Bem, se elas eram tão importantes, por que cancelar essas atividades? Em geral, o que acontece é que em tempos de crise as empresas ficam mais conscientes dos consumidores. E quem está envolvido com o mundo dos negócios fica mais atento ao marketing. Uma das razões do sucesso do CRM é que essa ferramenta promete aumento de produtividade e diminuição dos custos. O CRM não é capaz de criar novos relacionamentos com consumidores, mas pode ajudar a sustentar e a aprofundar relações já existentes. Nessa crise, especificamente, há algumas lições a tirar. Uma das primeiras é que todo mundo está envolvido com o marketing. Veja o que aconteceu com a Enron. A reputação dessa empresa -- ou sua marca -- declinou rapidamente, não por causa do tamanho de sua verba publicitária, de sua agência ou da mídia que usava. O problema foi a falta de entendimento de que a liderança influencia a marca, de que todo mundo está envolvido com marketing.
Retirado da revista Exame
Publicado por: Amanda da vila SIlva , número 25140
sábado, 16 de outubro de 2010
O adeus ao velho marketing
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1 comentário:
Esta é a permanente actualização e o saber que devemos estar sempre a "inventar" ou seja o que hoje fazemos já está ultrapassado, tal como nos computadores, mas sem nos esquecermos das bases. Gostaria que este "AR" entrasse pela UBI-curso de marketing (entre os outros) e sua equipe docente e incentivasse novas abordagens em vez das tradicionais.
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