quarta-feira, 28 de setembro de 2005

IL CLUSTER MURANO: UM EXEMPLO DE COMO CRIAR VALOR ACRESCENTADO

Sem querer parecer repetitivo volto à temática dos clusters porque me integro no grupo de jovens do Restelo que teima em insistir na importância estratégica de fomentar e de revitalizar os agrupamentos espaciais de empresas em torno das especializações sectoriais tradicionais, onde se destaque o verdadeiro saber fazer e a experiência acumulada ao longo de séculos de labor.

Numa viagem recente ao Norte de Itália tive oportunidade de ratificar com os meus próprios olhos as teorias emanadas na obra de Michael Porter, vulgo a “Vantagem Competitiva das Nações”, onde são retratados vários casos italianos de sucesso, os quais estão assentes nas dinâmicas de concentração espacial já referidas.

Na verdade foi extraordinário constatar como uma actividade artesanal confinada ao espaço geográfico da Ilha de Murano (na região de Veneto), ao longo do tempo, se tornou uma actividade profissionalizada, com expositores organizados e apetecíveis de obras em vidro, lidadas e comercializadas como autênticas obras de arte.

Aqui reside a essência do sucesso da capacidade competitiva das Nações, ou seja, iniciar uma actividade produtiva ligada a uma dada região, aproveitando as suas especificidades, e consagrá-la, de forma subsequente, como actividade tradicional aos olhos dos nacionais e dos visitantes internacionais.

O processo inicia-se na transformação de uma matéria-prima aparentemente inofensiva e prossegue com o desenho de processos criativos que visam somente criar mais e mais valor que vai sendo exportado, a troco de uma boa contrapartida financeira, tendo em linha de conta os factores produtivos incorporados e os custos de transporte associados.

Por isso defendo, meus caros bi marketeers, que sejam bem vindos os parques de ciência e tecnologia a emergir em centros nevrálgicos de conhecimento e de mão-de-obra qualificada no nosso país, mas não esqueçamos as actividades tradicionais.

No caso da Beira Interior seriam bem-vindas acções concertadas entre os diferentes agentes institucionais que conferissem um novo rumo ao Sector Têxtil e do Vestuário e, sobretudo ao Sector Agro-Alimentar.

Neste entorno, merece uma especial atenção todo o capital humano acumulado, ao longo de séculos de arranques, experiências, conquistas e falhanços, que caso não seja cuidado, reabilitado e transmitido para as gerações vindouras, irá acabar por cair no esquecimento e constituir assim uma perda irremediável no mapa das competências das actividades económicas com especificidades próprias de uma dada região.

Por tudo o escrito, apontemos então baterias para o admirável mundo novo da tecnologia, mas não desperdicemos a ciência ancestral expressa de forma única nas actividades tradicionais, as quais estão ancoradas nas verdadeiras vantagens comparativas das regiões, isto é, nos recursos naturais e paisagísticos e nas competências acumuladas dos recursos humanos.

No fundo, trata-se apenas de humanizar algumas políticas de incentivo e de conferir uma nova dinâmica às explorações industriais e agro-pecuárias tradicionais, com os simples objectivos de não deixar perder o que é verdadeiramente nosso, e também de assegurar processos contínuos de criação de valor acrescentado, que apesar das crises cíclicas nunca deixaram de assegurar a criação de riqueza nas regiões.

Por este motivo, não há que ter complexos em revitalizar a Beira Interior como sendo uma região onde se faz a ciência e se transmite conhecimento, mas também se trata o gado e a lã, e se colhe a cereja e a uva da boa.


Adaptado de texto publicado no Jornal Diário XXI, em 27/09/2005

João Carlos Correia Leitão
Universidade da Beira Interior (UBI)
Departamento de Gestão e Economia (DGE)
jleitao@ubi.pt

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo plenamente.
A competitividade de uma região (país, etc.) deve fazer-se através de um desenvolvimento equilibrado que procure nas novas teclonogias um aliado para estimular a criação de valor em áreas onde já existe "known how".